quarta-feira, 30 de março de 2011

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O banco era frio e bastante desconfortável e Mateus apenas trazia consigo vestido a sua camisola de flanela, por isso, constantemente, batia dentes, procurando encontrar fontes de calor ou apenas uma forma de não estar a bater dentes.
“O menino não quer ir dormir para uma das camas aqui do hospital para poder estar um pouco mais confortável, sem estar a passar frio?”. Mateus não reconheceu a voz, mas achou melhor voltar a cara e dar uma resposta, só por uma questão de boa educação, isto porque, por ele, de acordo com o seu normal estado de espírito, mandava essa pessoa para muitos sítios, e nenhum deles era agradável.
“Não, obrigado m...”, nem acabou a frase. Ficou feito parvo a olhar para a senhora que lhe estava a propor aquela ideia. Ficou plenamente vidrado como se estivesse colocado pause naquele momento. A senhora, que provavelmente estava na casa dos 30 anos, apresentava o ar de uma menina de 18, talvez 19 anos. Grande parte dessa aparente juventude provinha do brilho rejuvenescedor dos olhos azuis água que ela tinha.
“Menino! Está tudo bem? Diga-me qualquer coisa!”
“Desculpe, como’stá meu pai?”
“Neste momento está estável, mas o AVC foi muito forte e deverá permanecer alguns dias aqui no hospital sob vigilância.”
“Um AV quê?”
“Um AVC – Ataque Vascular Cerebral, ou seja, houve uma veia no cérebro que rebentou, porque estava obstruída e existia uma elevada pressão do sangue. Daí ter rebentado...”
“Oh...”, Mateus não compreendia exactamente aqueles vocábulos técnicos. Apenas se limitava abanar a cabeça e a dizer “Sim”. A única coisa que estava ciente era que o seu pai estava realmente mal.
Chamava-se Helena. Tirou a licenciatura em enfermagem contra a sua vontade. Seus pais sempre a influenciaram a ir para a área da medicina, pelo facto de afirmarem ser um “emprego com futuro”. Sempre teve o desejo de seguir pintura, isto porque sua avó ofereceu-lhe, num Natal, um conjunto de guaches e pincéis para ela aprender a pintar. Infelizmente, Helena nunca teve muitas oportunidades para visitar sua avó, porque, pouco tempo depois desse Natal, ela faleceu após um violento AVC. O mesmo que estava atacando o pai de Mateus.
Helena foi até à arrecadação procurar um cobertor para Mateus, enquanto este se aconchegava na cama. Era igual às outras, dura e muito pouco confortável, por isso, encontrava muitas dificuldades em se adaptar àquele novo ninho.
“Pronto, aqui tens o cobertor. Trouxe mais uma almofada no caso dessa não ser suficiente.”
“Obrigado senhora...”
“Vá, vê se descansas que amanhã é um novo dia.”


Passou a noite em branco. Sempre mirando o tecto com um olhar vazio. Sempre com a ideia do que poderia acontecer ao seu pai, mas a imagem de Helena, ou melhor, a imagem dos seus olhos azuis água e com o cheiro perfumado de coco. Até parecia que a fonte do perfume estava a escassos centímetros do seu nariz.
“Mateus!”
“Helena!”, respondeu Mateus num ápice sem olhar para quem o chamou, mesmo não sabendo quem o estava chamando.
“De quem é que estás a falar?”, era Rita com a vizinha Ermelinda. Estava um pouco espantada, porque esperava todos os nomes menos aquele.
“Mateus, quem é essa Helena?”
“Nada, nada. O nome vei’me assim de repente à cabeça.”
“Conta lá!”
“Ome não é ninguém! Raio de rapariga!, já em tom de exaustão, como quem já não podia estar a ouvir sempre a mesma tecla a tocar.
“Mateus! Vê lá como falas com a tua irmã...”, respondeu Helena, que apareceu sorrateiramente à porta para ver o que se passava. Ouvido isto, Mateus colocou-se quase que em sentido. Parecia uma autêntica cana de bambu, praticamente só mexia os olhos. Rita ficou a observar com um olhar de desconfiado perante aquele comportamento de Mateus.
“Desculpe, quem é a senhora?”, perguntou Rita enquanto olhava com um olhar de desafio para Mateus.
“Sou a enfermeira Helena, muito prazer.”, dito isto Rita reparou que Mateus ficara corado como os tomates que costumavam a apanhar pela altura do verão.
Para contrariar o ambiente em que Rita o gozava dando risadas discretas e de Helena não estar a perceber praticamente nada do que se estava a passar, fitou, muito seriamente a enfermeira.
“Já sabe mais alguma coisa de meu pai?”
“Por enquanto está estável, mas é melhor ele permanecer aqui sob vigia.”

domingo, 9 de janeiro de 2011

...

Estavam a subir os degraus e Mateus notou que Rita esperava-os à janela. Assim que os avistou, foi a correr para a porta feita de alumínio e abriu num ápice que até o pai ficou um pouco espantado.
“Finalmente pai...”
“O raio d’esta chuva. Não faz más nada s’não chover. Uma pessoa quer trabalhar e nem isso pode. Raios!”
“Ò pai! Deixa lá...”, disse a Rita enquanto o reconfortava com um abraço.
A sua casa, como seria de esperar, tanto por dentro, como por fora, era bastante humilde e acolhedora. Sem grande riquezas nem luxos. Era pintada de branco como todas as outras, mas tinha a pequena extravagância de ter uma grande varanda virada para o mar, onde se avistava uma esplêndida vista marcada pelo azul do mar e pelo verde da vegetação. A casa ficava praticamente num alto, sendo assim a casa mais alta das redondezas. Muitas das entradas do novo ano eram feitas nessa varanda com alguns dos seus vizinhos mais próximos, onde avistavam e maravilhavam os arranhões coloridos feitos no céu pelo fogo de artificio lançado à meia-noite do meio da vila. Era um fantástico espectáculo pirotécnico que deixava o Mateus e Rita espantados, e os pais (Júlio e ...) agarrados um ao outro, a desejarem um Feliz e Próspero Ano Novo. Mas desde que (...) morrera, nada disso se voltou a acontecer. Chegando perto das badaladas da meia-noite, Júlio manda as crianças vestirem o pijama para se deitarem, enquanto ele prepara a garrafa de bebida para se embriagar enquanto observa atentamente todos os traços e linhas que marcam o rosto da sua amada, numa fotografia que já tinha mais idade do que todos os seus dedos das mãos juntos.
Mateus chegou a pensar se, na realidade, aquele dia, que todos dizem ser o primeiro dia do ano, no final de contas, não acaba por ser um dia como os outros 364... Estava com o pensamento completamente cerrado nesta ideia, quando deu por si a dar um pulo na cama. Era já o sino que dava o sinal da entrada do novo ano.
“Será que vai ser um ano como todos estes que passei sem a minha amada mãe?”, pensou com os olhos cerrados de tanta a força que fazia para não derramar uma única lágrima que podia estilhaçar a barreira que o separava do passado fazendo com que todas as memórias, boas ou más se avivassem na sua memória. Tinha que fazer algo que pudesse fortificar essa barreira e simplesmente deixar que essas memórias tenham o descanso que bem merecem. Mas o que poderia fazer? O que poderia fazer para que esta hemorragia constante estancasse?
“Tenho que descobrir quem foi o responsável pelo acidente que tirou a vida à minha mãe!”. Não tinha em mente quais poderiam ser as consequências, o que teria que fazer para poder resolver este paradigma. Apenas tinha em mente que o tinha que resolver, para o bem da Rita, para o bem do seu pai, para o seu próprio bem.
“A mãe merece que tudo isto seja resolvido. Merece descansar em paz...”
“Trelim-Trelim-Trelim-TAC!”, Mateus acordou de forma espontânea dos seus pensamentos. Associou vagamente o som a um copo a bater no chão e a partir em mil e um cacos. Deu um salto da cama, nem calçou as pantufas, apenas correu numa cavalgada até à porta do seu quarto singular, abriu-a, meteu a cabeça ao lado de fora da porta, olhou para o seu lado esquerdo onde se encontrava a porta do quarto de sua irmã, que se encontrava fechada, da mesma forma como se encontrava a porta do quarto do seu pai, que era mesmo em frente. Olhou para o seu lado esquerdo, de onde avistava uma ponta do sofá da sua sala e ainda um pouco da bancada da cozinha, quando repara num líquido reluzente espalhado no chão, junto à ponta do sofá. Mateus foi à entrada da sala, quando vê o seu pai estendido no meio da sala com espuma a sair pela boca e com os olhos revirando - estava a ter um ataque.