quinta-feira, 22 de março de 2012

...

“Oxalá ela na tenha ligado àquilo que minha irmã disse... Que raiva...”
“Reparado no quê?”, disse a dona Ermelinda que estava a entrar no quarto de Mateus.
“Ah...Era se doutora tinha reparado qu’eu ontem não tinha comido nada durante todo o dia.”
“Oh Mateus! Tu sabes que isso só te faz mal!”
“Mas s’na tinha fome cma queria q’eu fizesse?”
Dito isto saiu de rompante do quarto procurando uma saída do edifício. Enquanto procurava a saída, só lhe cheirava a hospital, a remédio, a doença. Tudo aquilo que ele menos menosprezava, então especialmente ver pessoas a sofrer como uma que notou que estava num quarto amarrada enquanto meia – dúzia de enfermeiros o tentavam segurar para que o doutor administrasse uma injecção. Essa imagem ficou-lhe cravada no seu olhar enquanto procurava fervorosamente a saída. Não a encontrando, teve que abordar uma funcionária e lá, finalmente, consegui soltar aquele ar doloroso enquanto explorava com os olhos aquele ambiente que circundava o hospital. Existia um longo jardim cheio de árvores de folha caduca, que naquela altura estavam verdejantes, protegendo aqueles que se refugiavam debaixo delas do sol abrasador que se fazia sentir naquela tarde de Julho.
“Não te apetece um sumo Mateus?”
Mateus olhou desconfiado. Era Helena com um sorriso simpático. Por breves momentos parecia parvo, pois não sabia que responder.
“Vamos, o bar é aqui mesmo ao lado”
Deu a mão à Helena e simplesmente deixou-se ser guiado. Deram a volta ao hospital por um passeio que os fazia passar entre as árvores altas com casca acastanhada. Eram carvalhos carregados de bolotas, de onde se ouvia o chilrear de vários bandos de pássaros – era a natureza a falar por si própria.
Estava poucos pessoas na esplanada do bar. Sentou-se, mas não se sentiu muito confortável pois eram de alumínio, mas lá se reconfortou.
“Qual é o sumo que queres?”
“Nã sei... Pode ser um qualquer...”
Helena foi até ao bar e pede uma Coca – Cola, generalizando que todos os miúdos da idade de Mateus gostam deste tipo de refrigerante, enquanto que ele a via se afastar. Não conseguia retirar os olhos do seu corpo bastante definido, principalmente as suas ancas encurvadas que se vincavam com facilidade na bata de doutor que Helena usava. Cenários pouco próprios para a sua idade vagueavam na sua mente aparentemente inocente onde tentava dispersá-los pensando nas tardes passadas a deambular pelo campo junto com os seus animais enquanto procurava trevos de quatro folhas, guardando-os no bolso para mostrar a Rita e gabar-se, tal como seu pai faz diante dos seus amigos nas tascas. Começando a divergir para o passado menos feliz, Mateus abanou a cabeça como forma de se dispersar de pensamentos negativos.
“Aqui tens. Trouxe Coca – Cola.”
O jovem enche a boca de refrigerante e engole de uma só vez começando a tossir como se tivesse ficado afogado.
“Estás bem Mateus?”, perguntou Helena assustada e preocupada com aquela tosse de agonia.
“Chica, isto arde na garganta que se farta”
“Nunca bebeste Coca-Cola?”
Acalmada a tosse responde com ar de confuso – “Não, senhora”.
Helena não sabia o que dizer nem o que perguntar.
“Como tem corrido a escola?”
“Não tenho ido.”
“Então porquê?”
“Tenho tido muita coisa pra fazer no campo.”
“Mas mesmo assim, sabes que ir à escola é muito importante na tua idade, não sabes?”
Mateus cabisbaixo simplesmente mantêm-se calado sem dar a sua opinião à questão colocada.
“Bem é melhor irmos para dentro. O tempo já está a arrefecer um pouco e ainda apanhas umas constipação.”
Lá voltaram pelo mesmo caminho que tinham antes feito.
“Helena? Para onde vai agora?”
“Vou agora te deixar no quarto do teu pai. A tua irmão deve estar lá preocupada contigo e eu acho que queres descansar um pouco.”
A caminho do quarto Mateus olhou para um recorte de jornal antigo que estava pousado sobre uma das mesas da sala de espera, e notou em palavras grandes e gordas “Acidente tira vida a jovem mulher.”. Mateus sorrateiro aproximou-se da mesa, sem Helena se aperceber, apanhou o recorte, dobrou-o e meteu-o por dentro das calças, tapando com a sua camisola.
Chegando perto do quarto onde seu pai estava, Mateus apercebe-se que estava um autêntico caos. Enfermeiros entravam e saiam em rompante impedindo quem quer que fosse de visitas de entrar no quarto enquanto ouvia um choro de agonia de uma criança – era Rita.
“Desculpe?! Que está a passar?!”
Ninguém lhe respondia. Parecia que estava a entrar num pesadelo. Espreitou pela porta e viu o seu pai a revoltar-se na cama enquanto vários enfermeiros o tentavam segurar.
Mateus correu para junto de sua irmã e abraçou-a enquanto aconchegava a sua cabeça com festas.
“Vai correr tudo bem. Vai passar tudo num instante.”

quarta-feira, 30 de março de 2011

...

O banco era frio e bastante desconfortável e Mateus apenas trazia consigo vestido a sua camisola de flanela, por isso, constantemente, batia dentes, procurando encontrar fontes de calor ou apenas uma forma de não estar a bater dentes.
“O menino não quer ir dormir para uma das camas aqui do hospital para poder estar um pouco mais confortável, sem estar a passar frio?”. Mateus não reconheceu a voz, mas achou melhor voltar a cara e dar uma resposta, só por uma questão de boa educação, isto porque, por ele, de acordo com o seu normal estado de espírito, mandava essa pessoa para muitos sítios, e nenhum deles era agradável.
“Não, obrigado m...”, nem acabou a frase. Ficou feito parvo a olhar para a senhora que lhe estava a propor aquela ideia. Ficou plenamente vidrado como se estivesse colocado pause naquele momento. A senhora, que provavelmente estava na casa dos 30 anos, apresentava o ar de uma menina de 18, talvez 19 anos. Grande parte dessa aparente juventude provinha do brilho rejuvenescedor dos olhos azuis água que ela tinha.
“Menino! Está tudo bem? Diga-me qualquer coisa!”
“Desculpe, como’stá meu pai?”
“Neste momento está estável, mas o AVC foi muito forte e deverá permanecer alguns dias aqui no hospital sob vigilância.”
“Um AV quê?”
“Um AVC – Ataque Vascular Cerebral, ou seja, houve uma veia no cérebro que rebentou, porque estava obstruída e existia uma elevada pressão do sangue. Daí ter rebentado...”
“Oh...”, Mateus não compreendia exactamente aqueles vocábulos técnicos. Apenas se limitava abanar a cabeça e a dizer “Sim”. A única coisa que estava ciente era que o seu pai estava realmente mal.
Chamava-se Helena. Tirou a licenciatura em enfermagem contra a sua vontade. Seus pais sempre a influenciaram a ir para a área da medicina, pelo facto de afirmarem ser um “emprego com futuro”. Sempre teve o desejo de seguir pintura, isto porque sua avó ofereceu-lhe, num Natal, um conjunto de guaches e pincéis para ela aprender a pintar. Infelizmente, Helena nunca teve muitas oportunidades para visitar sua avó, porque, pouco tempo depois desse Natal, ela faleceu após um violento AVC. O mesmo que estava atacando o pai de Mateus.
Helena foi até à arrecadação procurar um cobertor para Mateus, enquanto este se aconchegava na cama. Era igual às outras, dura e muito pouco confortável, por isso, encontrava muitas dificuldades em se adaptar àquele novo ninho.
“Pronto, aqui tens o cobertor. Trouxe mais uma almofada no caso dessa não ser suficiente.”
“Obrigado senhora...”
“Vá, vê se descansas que amanhã é um novo dia.”


Passou a noite em branco. Sempre mirando o tecto com um olhar vazio. Sempre com a ideia do que poderia acontecer ao seu pai, mas a imagem de Helena, ou melhor, a imagem dos seus olhos azuis água e com o cheiro perfumado de coco. Até parecia que a fonte do perfume estava a escassos centímetros do seu nariz.
“Mateus!”
“Helena!”, respondeu Mateus num ápice sem olhar para quem o chamou, mesmo não sabendo quem o estava chamando.
“De quem é que estás a falar?”, era Rita com a vizinha Ermelinda. Estava um pouco espantada, porque esperava todos os nomes menos aquele.
“Mateus, quem é essa Helena?”
“Nada, nada. O nome vei’me assim de repente à cabeça.”
“Conta lá!”
“Ome não é ninguém! Raio de rapariga!, já em tom de exaustão, como quem já não podia estar a ouvir sempre a mesma tecla a tocar.
“Mateus! Vê lá como falas com a tua irmã...”, respondeu Helena, que apareceu sorrateiramente à porta para ver o que se passava. Ouvido isto, Mateus colocou-se quase que em sentido. Parecia uma autêntica cana de bambu, praticamente só mexia os olhos. Rita ficou a observar com um olhar de desconfiado perante aquele comportamento de Mateus.
“Desculpe, quem é a senhora?”, perguntou Rita enquanto olhava com um olhar de desafio para Mateus.
“Sou a enfermeira Helena, muito prazer.”, dito isto Rita reparou que Mateus ficara corado como os tomates que costumavam a apanhar pela altura do verão.
Para contrariar o ambiente em que Rita o gozava dando risadas discretas e de Helena não estar a perceber praticamente nada do que se estava a passar, fitou, muito seriamente a enfermeira.
“Já sabe mais alguma coisa de meu pai?”
“Por enquanto está estável, mas é melhor ele permanecer aqui sob vigia.”